13 de agosto de 2006

Curiosidades: O Nascimento de Campinas

Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão, IV Morgado de Mateus e governador da capitania de São Paulo
Morgado de Mateus foi um título de nobiliárquico português baseado na transmissão em morgadio (morgado é um vínculo entre um pai e sua descendência no qual seus bens são transmitidos ao filho primogênito, sem que este os possa vender. Por extensão, o morgado é também o filho mais velho de um casal, beneficiado pelo morgadio ou não).

O IV Morgado de Mateus e a Autonomia da Capitania de São Paulo

"A administração de Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão, o IV Morgado de Mateus, na governança da Capitania de São Paulo, que se estendeu de 1765 a 1775, marcou o início de um novo ciclo da história paulista. Ciclo de trabalho fecundo, de progresso, de organização social, econômica e política. Período no qual fortaleceu-se sobremaneira o incipiente sistema patriarcal paulista, tão esmaecido nos dois primeiros séculos da colonização. Nesta auspiciosa etapa da história de São Paulo principiou o povo paulista a tomar consciência de si mesmo, conhecendo-se e conhecendo também, palmo a palmo, o território da Capitania. Fixaram-se, desde então, os limites com as demais, foram-se definindo os pontos de equilíbrio econômico da região planaltina, enquanto que entrou a cidade nobreguense a consolidar sua hegemonia sobre os conglomerados urbanos ao seu derredor.

Em 1765 o IV Morgado de Mateus ordenou o levantamento da primeira tentativa de censo demográfico em São Paulo, registrando o trabalho 899 fogos com 1748 homens e 2090 mulheres para a freguesia de São Paulo. A cidade propiamente dita compreendia 392 fogos com 648 homens e 867 mulheres. Os bairros eram os do Pari, cujos moradores quase todos eram gente bastarda (mestiços de brancos e índios), Embujaçava, Pirajuçava, Pinheiros, Nossa Senhora do Ó, Santana , Penha, Tremembé até a Cachoeira (inclusive), Jaguará, Caguaçu, Tatuapé, Aricanduva. Mais afastados, São Bernardo, Borda do Campo, Mercês, São Caetano. O recenseamento ordenado pelo Morgado de Mateus arrolou apenas 26 mercadores, 10 vendeiros, 3 boticários. Maior número de artífices devia existir na cidade, embora muitos não aparecessem nos róis por serem escravos. As padeiras, por exemplo, eram quase todas cativas.

Na discriminação dos cabedais, encontramos 204 referências aos bens dos chefes de famílias dos 392 fogos da cidade e 212 para os dos 507 fogos dos bairros. A fortuna de realce arrolada era de 28 contos de réis e a modesta de 25 mil e 600 réis. Distribuíam-se as fortunas do seguinte modo: acima de 25 contos de réis, uma; entre 20 e 25 contos de réis, uma; entre 10 e 20 contos de réis, uma; entre 5 e 10 contos de réis, cinco; entre 1 e 5 contos de réis, trinta e três; entre 500 mil réis e um conto de réis, quarenta e cinco; entre 100 e 500 mil-réis, duzentos..."

("A Cidade e o Planalto", de Gilberto Leite de Barros, Editora Martins, São Paulo, 1967)


IV Morgado de Mateus: Administrador e Estadista

Extinta a Capitania de São Paulo em maio de 1748, então sensivelmente reduzida em seu território, os habitantes dessa unidade ficaram sob a jurisdição do governador do Rio de janeiro, da qual os atuais Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, em seu conjunto, se tornaram mera comarca como afirma Américo de Moura. Isso significou apenas que a Capitania de São Paulo ficou acéfala durante 17 anos, até que D. José I resolveu nomear D. Luís António de Sousa Botelho Mourão, IV Morgado de Mateus, seu governador, por ato de 6 de janeiro de 1765.

Nos dez anos que aqui permaneceu o Morgado, a Capitania, pelo influxo desse fidalgo, ganhou novo alento, graças à atividade agrícola que então passou a ser exercida pelos paulistas, visando à exportação de seus produtos.

Povoações foram fundadas, com o fim de reunir a gente esparsa pelo vasto território. Entre essas povoações, figuram Campinas e Piracicaba, em nossa Região. Em documento, autorizado a fundação da povoação da Vila de Iguape, salientava o IV Morgado de Mateus que isso devia ser feito para congregar as pessoas que viviam esparsas na Capitania. Tais pessoas deviam morar em lugares onde houvesse pelo menos cinqüenta vizinhos. Essa medida se tornava necessária, porque era contra o serviço de Deus viverem em matos, longe do comércio, sem assistência religiosa e sem tempo para prestar serviço à República. Daí o título de "urbanizador", outorgado ao Morgado de Mateus pelos historiadores.

No desempenho de sua missão de fundar povoações, era minucioso o Morgado de Mateus. Temos prova disso com as instruções dadas por ele, em 27 de maio, para arruamento de Campinas. Em outras, suas ordens eram de que no sítio escolhido para a nova povoação deveria existir rio, caça e roças. Quando se fizesse a praça quadrangular, nas povoações recém-formadas, deviam ser colocadas cordas esticadas, para assinalar as ruas e travessas, que deveriam ser retas. Toda povoação devia ter uma igreja.

Até há pouco tempo, a documentação sobre o Morgado de Mateus acessível a nós, brasileiros, se limitava à existente no Departamento de Arquivo do Estado, em São Paulo. Agora, entretanto, com o "Arquivo de Mateus", farto repositório de importantes documentos sobre São Paulo, adquirido pela Biblioteca Nacional do Rio de janeiro, torna-se possível um melhor conhecimento de Dom Luís António de Souza Botelho Mourão, quando à testa do governo paulista. Ainda não toda catalogada, essa documentação pode, entretando, ser manuseada na seção de Manuscritos, daquela Biblioteca.

A bibliografia sobre o IV Morgado de Mateus é, ainda, escassa, mas os documentos existentes em São Paulo e no Rio, respectivamente no Departamento de Arquivo do Estado e na Biblioteca Nacional, se constituem em rico manancial onde os estudiosos poderão haurir farta messe de elementos, sobre a personalidade e a ação dessa fascinante figura de estadista e administrador, que foi o IV Morgado de Mateus, da qual aqui se apresentam alguns aspectos. A abordagem desses setores representa o resultado de pesquisa, não só nas fontes primárias existentes no Rio e em São Paulo, como em estudos de alguns autores, que ocupam do IV Morgado de Mateus, como Capitão-General da Capitania de São Paulo.

(Jornal Correio Popular, Campinas, 14 de fevereiro de 1998 - Benedito Barbosa Pupo - Jornalista e pesquisador do Centro de Memória da Unicamp)

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