O IV Morgado de Mateus (D. Luís António de Sousa Botelho Mourão) restaurador da Capitânia de São Paulo e co-fundador da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas, em 1774, foi uma notável personalidade da era do Brasil-Colônia. Embora o nascimento em alta esfera da aristocracia portuguesa lhe proporcionasse o conforto de uma família rica, de que era herdeiro, D. Luís Antonio de Sousa demonstrou logo sua vocação para a atividade militar.
Primogênito varão de D. António José Botelho Mourão e Dona Joana de Sousa; D. Luís António de Sousa Botelho Mourão nasceu em 21 de fevereiro de 1722. Seu pai, fidalgo da Casa Real, era Tenente-Coronel da Cavalaria, Cavaleiro de Cristo e Morgado de Mateus; serviu nas guerras da Grande Aliança, e honrou sobremaneira a sua estirpe dando grande brilho à sua casa. O grande Palácio, obra arquitetônica de excepcional valor e uma das mais nobres residências portuguesas- O Solar de Mateus, de Vila Real, em Trás-os-montes foi construído pelo D. António, progenitor de D. Luís António de Sousa.
No ano de 1753, D. Luís Antonio tornava-se Fidalgo da Casa Real, recebendo mercê da Honra da Ovelha, na Serra do Marão. Américo de Moura traçou excelente biografia do Capitão-General da Capitania de São Paulo, na qual informa que D. Luís Antonio de Sousa casou-se provavelmente neste mesmo ano, com sua parenta, D. Eleonor Ana José Luisa de Portugal, filha de Rodrigo de Sousa Coutinho e de D. Maria Antonio de Meneses. Na cidade do Porto, onde residia o casal, nasceu-lhe o primogênito, D. José Maria de Sousa, que herdou o morgadio.
Este fidalgo, que seguiu a carreira diplomática, tornou-se célebre pelo fato de haver mandado imprimir a edição monumental de Os Lusíadas. Além do morgadio herdado, com a morte de D. Luís António, D. José Maria herdou outros atributos do pai, como, por exemplo, o gosto pela cultura, manifestado por vários atos deste durante o seu governo na Capitania de São Paulo.
Como Capião-General, foi Governador da Capitânia de São Paulo, por ele restaurada. O bicentenário da morte do IV Morgado de Mateus ocorre a 5 de outubro do corrente ano. Campinas se prepara para rememorar, com homenagem, àquele que investiu Francisco Barreto Leme na função de "fundador, diretor e administrador" da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas, em 1774.
Administrador, estadista e urbanizador, D. Luís António era ainda um homem que valorizava a cultura, tendo mesmo fundado na Capitania a "Academia dos Felizes", homônima de outra que, segundo Afonso D'Escragnolle Taunay, existiu no Rio de Janeiro. Ardoroso devoto de Sant'Ana, o Capitão-General mandou erigir uma Capela em louvor à Santa, no templo jesuítico, a qual se inaugurou a 19 de agosto de 1770.
Como parte das festas então realizadas, naquele sábado de agosto, o governador da Capitania promoveu a sessão literária, a primeira dentro das lindes paulistanas, que na opinião de Afonso D'Escragnolle Taunay teria sido uma sessão acadêmico-literária de larga envergadura e soleníssima. Nela foi declamado o soneto "Em louvor da Gloriosa Santa Ana", de autoria do próprio Morgado de Mateus. A primeira atividade da Acadêmia dos Felizes se realizou durante uma sessão, segundo Taunay e Tito Livio Ferreira, em louvor à Santa. Durante a sessão que se realizou das 7 horas da noite às 2 horas da madrugada, D. Luís António declamou o soneto em louvor à santa de sua devoção:
"Gloriosa Matrona, cujo emprego/ por dom de Deus Eterno Onipotente/ é socorrer o mísero inocente,/ que deste mundo surca o lar pego/ Neste mar proceloso, em que navego/ Conduzindo o destino a tanta gente,/ os votos vos consagro humildemente/ Quando a vós o governo todo entrego./ Vós sois do mar da graça norte, e guia,/ que ao humano baixei desamparado/ o socorro prestais de mais valia:/ Fazei que destes céus nos seja dado/ o ouro, que encha os povos de alegria/ a graça, que nos livre do pecado".
Na sua contribuição para o aprimoramento da cultura dos paulistas governados por ele, D. Luís Antonio tomou medidas em favor da implantação de escolas e de espetáculos de ópera, como está documentado. Com data de 20 de novembro de 1772, o Morgado de Mateus assinou uma "Portaria sobre o divertimento das óperas", encarregando o Juiz de Fora da Vila de Santos, dr. José Gomes Pinto de Morais, como diretor encarregado deste divertimento. Outro documento sobre a cultura do povo da Capitânia é o que tem a data de 20 de julho de 1774. Trata-se do "Bando para se abrirem escolas públicas de ler, escrever e contar e Estudos de Gramática, Grego etc".
Sobre a atividade cultural do Morgado de Mateus, devemos lembrarmo-nos ainda de seus dotes como compositor musical, como prova a música sacra, composta por ele, proibida de ser cantada nas festas eclesiásticas da Capitania pelo seu detrator, Frei Manoel da Ressurreição, primeiro bispo de São Paulo.
Como administrador, a ação do Morgado de Mateus, que tratava de fortificar militarmente São Paulo, fez-se também sentir na economia, com incentivo dado à agricultura, fazendo proliferarem lavouras de cana-de-açúcar e a implantação de engenhos, o que favoreceu a exportação de açúcar para a Europa.
Campinas tem, (não há dúvida), uma grande dívida a saldar com Dom Luís António, que deveria ter seu nome corretamente colocado na placa da rua em sua homenagem no Jardim Proença. A iniciativa de dar o nome de "Dom Luís António de Sousa" a uma rua de Campinas partiu do então vereador, o médico Ataliba de Camargo Andrade. Na placa daquela via pública está apenas Luís António de Sousa, sem o "Dom". O correto seria seguir o exemplo da capital que tem uma rua com o nome de "Morgado de Mateus".
Campinas erigiu em sua Praça Guilherme de Almeida um monumento em honra aos fundadores da cidade, omitindo, porém, o nome do autor intelectual do núcleo urbano aqui implantado por Barreto Leme, segundo ordens recebidas do Governo da Capitânia. Na gestão do então prefeito Orestes Quércia, ficou estabelecido que o nome do Morgado de Mateus seria colocado no painel do monumento, o que não ocorreu até hoje. Neste ano do transcurso dos duzentos anos da morte de D. Luís António de Sousa surge uma oportunidade para Campinas corrigir o erro do passado, pagando as dívidas que deve ao seu fundador intelectual.
Há vinte anos, no Suplemento Especial, sobre o Morgado de Mateus, o Correio Popular (02/08/1978), sob minha responsabilidade, veiculou esclarecimentos sobre nomes de ruas, que, penso, são muito oportunos no momento: A propósito da "anomalia", existente quanto ao nome desta rua, o professor Odilon Nogueira de Matos, em seu Memorial sobre a Nomenclatura de Vias Públicas de Campinas, apresentado à Sociedade dos Amigos da Cidade, fez considerações, defendendo o título e não o nome para homenagear o Morgado de Mateus.
Suas razões são estas: "Quando o indivíduo é titulado, a denominação deve sempre ser dada pelo título e não pelo nome, pois é pelo título que ele entra para as páginas da história, e portanto, se torna conhecido. Não teria propósito uma rua em homenagem ao Duque de Caxias chamar-se Luis Alves Lima e Silva, embora este fosse o seu nome, ou Alfredo D'Escragnolle Taunay, em vez de Visconde de Taunay. Dois casos existem, em Campinas, dignos de nota, ambos verdadeiramente absurdos. O primeiro refere-se à Rua D. Luís António de Sousa, que deveria chamar-se Rua Morgado de Mateus, que é o seu título e foi como ele passou à história. Trata-se do Governo de São Paulo na época da fundação de Campinas, cujo verdadeiro nome raramente aparece nos livros de história".
O outro caso mencionado pelo professor Odilon Nogueira de Matos é a Rua Afonso Celso de Assis Figueiredo, que deveria chamar-se, segundo ele, simplesmente Rua Conde Afonso Celso.
Na ocasião, o vereador Anatole Brasil Noronha Sales se manifestou na Câmara em favor da mudança do nome da Rua D. Luiz Antonio de Sousa para Morgado de Mateus, o que provavelmente hoje se torna difícil, pelos transtornos que causaria aos habitantes a mudança do endereço.
(Jornal Correio Popular, Campinas, 27 de fevereiro de 1998 - Benedito Barbosa Pupo - Jornalista e pesquisador do Centro de Memória da Unicamp)
Nota complementar ao artigo: Dom Luís António de Sousa Botelho Mourão faleceu em 05 de outubro de 1798 na cidade portuguesa de Vila Real.
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