19 de julho de 2008

História Agradece: Entrevista de Bráulio Mendes Nogueira

Este material foi extraído do estudo de Maria Lygia Cardoso Köpke Santos e que gerou o trabalho "ENTRE LOUÇAS, PIANOS, LIVROS E IMPRESSOS: A CASA LIVRO AZUL – 1876-1958". Para publicação aqui; fiz algumas atualizações.

Bráulio Mendes Nogueira, nascido em 22 de outubro de 1914 e falecido em 21 de agosto de 2002 e cedeu esta entrevista em 01 de novembro de 2001. Jornalista e historiador, neto do sr. Antonio Benedito de Castro Mendes.

"Sou neto do Antonio Benedito de Castro Mendes, minha mãe era irmã do Cleso Castro Mendes, que foi quem herdou a Casa do Livro Azul. O Benedito teve um filho só (o Cleso) e várias filhas, minha mãe é a Julia."

O senhor chegou a trabalhar na Casa do Livro Azul?

"Não trabalhei não, vários primos trabalharam. Eu sempre tive mais contato com o jornalismo. Este livro aqui fui eu que escrevi. O escritório de meu tio era um foco de agitação política, e eu trabalhava lá como um menino de serviços gerais, varria, dava recados... Eu ouvia aquelas conversas sobre política, prestava atenção naquilo tudo e fui escrevendo, isto ficou sendo um documentário político. Aqui, por exemplo, tem uma reportagem sobre João Pessoa, o governador da Paraíba que foi assassinado. Os textos, as festas da família, casamentos, fofocas de família. Depois de circular por todos os parentes, meu avô dava um dinheirinho pra mim. Os tios liam, meu primeiro terno de calças compridas foi ele que deu. Ele ficou emocionado pelo que escrevi dele. Aqui tem uma reportagem sobre a Casa do Livro Azul. Ele gostou e me deu uma gorjeta e o terno. Este jornal é A Bomba. Eu mesmo datilografava e fazia as ilustrações. Eu tinha uns 17, 18 anos quando escrevi isto tudo. Este aqui, o Totó, trabalhou na Casa Livro Azul muito tempo, é meu primo. Aqui é um manifesto por São Paulo independente, antes da Revolução de 32.

Este livro eram folhas soltas, minha mãe encadernou mais tarde. Veja o Getúlio, Oswaldo Cruz, José Bonifácio, a Catedral nova, fofocas dos primos... Minha mãe guardou estes números. Eu sempre procurava ressaltar meu avô porque ele me dava um dinheirinho... Eu escrevia também no jornalzinho da Faculdade de Farmácia, onde eu estudava.

Aqui é a chácara do meu avô em Sousas. Era uma chacrinha onde a gente ia fazer bagunça. Meu avô foi um homem paciente, tinha 20 netos, 20 demônios acabando com as plantas. Este escritório que eu trabalhava era do meu tio, advogado Pupo Nogueira.

Eu reproduzia as charges, não são minhas não. Este livro ficou sendo um documentário. Os outros primos quase não escreviam, se dedicavam mais à música. Só eu me destacava no jornalismo. Tenho um primo mais velho, que foi professor da PUC, um grande professor. Este livro foi escrito por volta de 1930.

Minha mãe participou da Pastoral do Coelho Neto, foi uma participação importante. O pessoal se reunia na Casa do Livro Azul, a sociedade da época. Inclusive aconteceu um fato interessante, porque naquele tempo não existia luz elétrica e tinha um tio-avô que era um homem cheio de imaginação e ele conseguiu, por um processo que ele criou, iluminar o Teatro. Pela primeira vez Campinas viu luz elétrica, no dia da apresentação da peça. Esta Pastoral, marcou então, a primeira exibição com luz elétrica. Meio tímida ainda, mas ele era um homem progressista. Ele trouxe também o cinema pra Campinas.

Em 1900 houve uma grande exposição em Paris, ele foi lá e trouxe uma máquina e vários filmes, dentre os quais um chamado Os Sete Pecados Capitais, e exibia para os amigos. E o bispo da época D. Nery pediu pra ver o filme, e todo mundo ficou incomodado, como levar o bispo pra ver o filme, que tinha umas mulheres dançando... E o meu avô foi disfarçando, mas D. Nery insistia, ele era um homem arejado. Ele foi amador de teatro, teve uma atuação intelectual muito forte, foi o primeiro bispo de Campinas. Deixou uma lembrança muito grande, doava dinheiro para os pobres. Deixou os cofres da igreja vazios.

O bispo seguinte, D. Barreto, foi o contrário, era um grande financista e recuperou o dinheiro da igreja, mas não tinha simpatia popular. Na revolta de 1930, o povo ficou alucinado, a cidade ficou sem policiamento e povo destruiu a Gazeta de Campinas, que era o jornal mais importante que tinha aqui. Eu assisti à destruição. Destruiu as casas do Partido Republicano. E depois quiseram destruir o Palácio do Bispo, aquela alucinação.

O Dr. Quirino (Francisco Quirino dos Santos) e o bispo se retiraram, o povo invadiu o palácio. Foi uma coisa horrível. Era a Revolução, o povo estava alucinado. Meu amigo que invadiu o Palácio começou a perder tudo, a vida dele começou a dar pra trás e ele ficou preocupado, pensando que era por ter apedrejado o Palácio do Bispo e quis ir lá pedir perdão. Meu amigo conseguiu que ele fosse lá no palácio pedir perdão para o bispo e foram lá e D. Barreto, muito superior, não deixou nem tocar no assunto. No fim deu pra ele uma medalhinha. O que houve foi o seguinte: um bispo que era amigo da população, dos pobres, que foi D. Nery e outro financista D. Barreto, um homem de idéias e cultura, mas que não tinha simpatia popular. D. Barreto tinha muito prestígio, a tal ponto que vieram do Rio de Janeiro umas senhoras que trouxeram rendas pra ele, roupas pra recuperar o Palácio que tinha sido destruído.

Esta fotografia está na Unicamp, em ponto grande, este que aparece aqui é o meu avô, o Rui Barbosa, a minha família toda. O pessoal da Unicamp colocou como se fosse o Barão Geraldo de Rezende. A minha família era muito unida ao Barão. Ele era dono da fazenda Santa Genebra. Antes do Instituto Agronômico, quando vinha uma pessoa importante, o prefeito pedia para o Barão hospedar, porque a fazenda dele era muito bonita, um casarão enorme. Era um requinte mesmo, na hora do jantar tinha que vestir terno. Eu tenho um livro escrito pela filha Maria Amélia, um livro enorme, onde ela descreve toda aquela vida na fazenda, o tratamento dos escravos, a preocupação com os escravos, descreve inclusive a personalidade dos escravos. A gente vê ali que Campinas não justifica ter a fama de ser uma cidade perversa com os escravos. Quando na época da abolição, todos os escravos foram embora, mas depois voltaram arrependidos, porque lá tinham comida e emprego.

Meu avô tinha uma fazenda, mas não tinha escravos, foi depois da abolição.

O livro da M. Amélia foi publicado, conta a vida da sociedade e da época. O Barão tinha métodos de agricultura avançados e teve um escravo famoso, que pediu pra ser sepultado ao lado dele, e lá no cemitério, ele está lá, o túmulo dele ao lado do Barão. Era o escravo Toninho. O barão tinha fazendas enormes, lá onde hoje é Barão Geraldo. É triste o fim dele, ele morreu sozinho, dizem até que ele se suicidou, por causa da decadência da Fazenda Santa Genebra.Ele não se conformava com a decadência da fazenda, ele tinha métodos modernos de agricultura, era uma fazenda modelo. Ele estava percorrendo a fazenda a cavalo quando morreu, e os próprios escravos o trouxeram.

A Casa Genoud ficava na Rua Barão de Jaguara esquina com César Bierrenbach. Era muito boa também, era concorrente da Livro Azul.

O Cleso era um artista, tocava piano muito bem. Esta máquina, primeira tipografia da Casa Livro Azul está lá na Associação de Imprensa Campineira. O Cleso, quando fechou a Casa Livro Azul já estava bem velho.

A Casa de meu avô concentrava toda a atividade artística de Campinas. Tinha o Clube Livro Azul, mas a minha casa também era freqüentada por muitos intelectuais. Meu avô gostava muito de música clássica. Á tarde, quando ele chegava ele deitava no sofá e pedia para os netos irem trocando os discos. E eles gostavam, porque ganhavam sempre um dinheirinho. Este Clube Livro Azul funcionava no mesmo lugar, à noite se reuniam os intelectuais, as pessoas famosas da época."

Abaixo a foto do personagem focada na entrevista, Antonio Benedito de Castro Mendes, e que por esta pode se ver o porque este senhor ser um dos responsáveis por Campinas ser o "Berço das Artes e da Cultura" que o é hoje.

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