4 de fevereiro de 2007

Personagem: Dr. Ricardo (Gumbleton Daunt)


Acima quadro pintado por Nazareth Marques e cedido pela Acamedia Campinense de Letras, onde Dr. Ricardo é patrono da cadeira de no. 26.

Grande personagem da história campineira, pela sua participação em diversas áreas e tendo sido um de seus primeiros historiadores. Conheça um pouco da história deste britânico de nascimento e brasileiro de coração.

Ricardo Gumbleton Daunt, ou Richard Gumbleton Daunt de nascimento, veio à luz em Cork, na Irlanda, mais precisamente no Castelo de Kilcascan, de propriedade de seu avô William Daunt, em 30 de agosto de 1818. Existe uma pequena discrepância, em duas fontes documentais, acerca do local de seu nascimento. J. David Jorge em ensaio sobre a cidade de Campinas, indica a localidade de Hull na Inglaterra. Já os registros de seu histórico escolar na Faculdade de Medicina de Edimburgo, indicam Humbleton in East Yorkshire, também na Inglaterra. A família, entretanto, sustenta a versão endossada por vários outros relatos, que situam no castelo de Kilcascan, o local onde o médico veio à luz.

Era filho primogênito de Richard Gumbleton Daunt e Anna Dixon Raines, de Kirkland. Devido ao sistema de morgadio, sendo o segundo filho de William Daunt, seu pai viu-se excluído da sucessão nos títulos e terras da família, tornando-se capitão do exército inglês. Aos cinco anos, tendo-lhe falecido a mãe, o Dr. Ricardo passou a ser educado pela família desta na Inglaterra.

No ano de 1066, Guilherme atravessou o Canal da Mancha e empreendeu a conquista bem sucedida das Ilhas Britânicas, levou consigo os primeiros Daunt a fixar-se em solo inglês, deixando na Normandia uma parte da família, que grafava-se Dauntre, de modo afrancesado. Ao longo dos anos, através dos casamentos, os Daunt foram ligando-se aos De Tracy, de Toddington, e aos Owlpen, de Gloucester. Participaram de batalhas célebres e estabeleceram alianças sempre próximas aos monarcas reinantes.

Durante a Guerra da Duas Rosas, os Daunt apoiaram a Casa Lancaster, da Rosa-Vermelha, ligando-se aos Stowell, de Somerton. Após o período sangrento em que as Casas de York e Lancaster pereceram e propiciaram a ascensão dos Tudor, a situação da família e seus aliados foi-se complicando ano após ano. Católicos ortodoxos, alguns dos Daunt foram surpreendidos pela reforma de Henrique VIII, que foi posteriormente consolidada por sua filha Elizabeth I.

Aqueles foram anos de incertezas políticas, conspirações, ameaças de guerras iminentes com a Espanha e a França, não apenas devido à religião, mas à supremacia política da Europa ocidental. Foi durante o reinado de Elizabeth I, que Thomaz Daunt Owlpen de Throckmorton passou à Irlanda, fugindo às perseguições, para ali fixar-se, dando origem ao tronco familiar no qual o Dr. Ricardo viria a nascer.

A passagem dos Daunt para a Irlanda, deu-se em um período bastante conturbado e marcado pelo estigma das disputas religiosas. Em sua nova terra, a família ligou-se aos O’Connor, de uma longa linhagem de patriotas, descendentes de Roderick O’Connor, o 183o. Monarca Suzerano da Irlanda, que falecera em 1198. O Dr. Ricardo orgulhava-se desse parentesco que incluía Fergus O’Connor, líder cartista e membro do Parlamento em Londres, e Francis Burdett O’Connor, companheiro de Simón Bolívar nas guerras de independência da América Espanhola. Costumava corresponder-se com o neto de Francis, Dr. Thomaz O’Connor D’Arlach, residente em Tarija, na Bolívia, e editor do jornal “La Estrella de Tarija”.

Apesar do caráter migratório da trajetória dos Daunt, o Dr. Ricardo considerava-se irlandês. Talvez porque as origens normandas dos Daunt, o identificassem mais ao povo celta, que dera origem à Irlanda, do que aos saxões da Inglaterra. Considerava-se irlandês e Aristocrata, assim mesmo grafado com maiúscula, conforme costumava fazê-lo em sua correspondência pessoal.

Sua formação deu-se sob a direção do Dr. Isaac Dixon, seu tio materno. Além da “sólida moral cristã”, este parece tê-lo apoiado nos caminhos da medicina. O doutor Ricardo estudara temporariamente nas faculdades de Paris e Viena, mas graduara-se em Edimburgo, bem como acompanhara o curso de Humanidades, em Londres. Devido ao caráter vasto de seus estudos e à habilidade e interesse por expressar-se em diversas línguas, logo adquiriu fama de erudito.

“Tinha notável erudição, não só em Medicina, como em Philosophia, Historia, Sciencias Naturaes e Sociaes, e conhecia muito bem o Latim, Grego, Allemão, Inglez, Celta, Francez, Russo, Hespanhol e Portuguez.” Assim escreveu um cronista da época.

No “Livro de Ouro de Ricardo Gumbleton Daunt. 1818-1918. Primeiro Centenário de seu Nascimento”. Lançado pelas Officinas Graphicas Cardozo Filho & C., em São Paulo no ano 1918; afirma-se entretanto, que esse cabedal de conhecimentos reflete uma longa trajetória de árduos estudos que prolongou-se por sua vida afora. Sempre pesquisando e participando ativamente de Sociedades e Institutos, o Dr. Ricardo cultivava sua erudição com um zelo muito maior do que aquele que dedicava à sua clínica ou a suas propriedades.

Em 2 de agosto de 1841 foi lavrado seu pergaminho de Doutor em função da tese defendida que versava sobre inflamações agudas. Chegando ao Rio de Janeiro em 1843, após uma passagem pela África do Sul, defendeu publicamente perante a Faculdade de Medicina nova tese que lhe possibilitou o exercício da clínica no Brasil, conforme exigências legais. Clinicou em Macaé, mas acabou por radicar-se na Província de São Paulo. Em 24 de Abril de 1850 foi expedida a carta de naturalização, que o transformou em cidadão brasileiro.

Como membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde algumas de suas cartas ainda são conservadas nos arquivos, desenvolveu uma atividade prolífica entrevistando pessoas idosas à procura de memórias sobre a origem de usos, costumes, palavras e sobre o passado das famílias paulistas. Genealogista obcecado, entregou-se à paixão de localizar, identificar e remeter ao Instituto, manuscritos setecentistas que foram elaborados por Pedro Taques, entre outros.

Sua dedicação como erudito, de certo modo, igualava sua pertinácia como conservador. Do mesmo modo, seu catolicismo ferrenho levava-o constantemente à crítica da expulsão dos jesuítas, chamando de parvenu ao Marques de Pombal, em uma clara alusão ao enobrecimento tardio por contraposição às suas próprias origens. Afirmava que a educação e a moral da Província de São Paulo encontravam-se em um acelerado processo de decadência, devido ao fechamento das escolas fundadas pelos jesuítas. Crítico implacável das idéias dos jansenistas, reconstituía com freqüência a vida dos padres de Itú, revelando suas fontes e informações, e expressando sua frustração com o estado das tradições e do ensino na cidade e na Província.

Encontrava-se, por ocasião de seus trabalhos como genealogista, que geraram as primeiras correspondências junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, residindo na cidade de Itú. Sendo um dos fundadores do partido católico, durante o segundo reinado, dividia igualmente sua paixão entre a clínica, a política e o ofício de historiador amador.

Em Campinas foi tesoureiro da irmandade do Espírito Santo, estava listado entre os lavradores (isto é, proprietários de lavoura), e também como médico e 4o. Juiz de Paz da Paróquia de Santa Cruz. Fora vereador na cidade e tornaria a sê-lo por várias vezes, bem como deputado à Assembléia Provincial, e conquistara sua fama de luminar da medicina, talvez não apenas por sua procedência mas pelo caráter enfático com que sublinhava seus diagnósticos e opiniões.

Em 18 de setembro de 1845 casou-se com Anna Francelina de Camargo, filha de Joaquim José dos Santos Camargo, de ilustre família paulista, resultando dessa união seus nove filhos: Haroldo (1846-1886) – foi vigário de Capivari; Torlogo (1847-1909) – era advogado e exerceu vários cargos públicos em Campinas; Fergus (1849-1911) – foi Vigário Geral de São Paulo; Alicia (1851-1933) – embora permanecesse solteira, tivera esmerada educação no Colégio Patrocínio de Itú e veio a herdar-lhe a casa da rua Marechal Deodoro; Briano (?-1889) – era advogado e faleceu solteiro; Winifrida (1857-1928) - teve o casamento arranjado com José de Salles Leme; Fernando (1858-1930) – permaneceu solteiro e não sabemos ao certo se chegou a ter alguma profissão; do mesmo modo, de Cornélio, casado com Anezia de Queiroz Ferreira, a família informou que tendo abandonado a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, dedicou-se ao magistério; Rogério (1862-1914) – era advogado.

A importância do parentesco com os Camargo revelou-se na hora encaminhar seus filhos ao estudo ou conseguir-lhes casamentos vantajosos, bem como de deixar suas duas filhas bem amparadas.

Tanto seu testamento, quanto o de sua esposa, falecida em 31 de outubro de 1885, demonstram que apesar de sua mobilidade e inserção social adequada, sua vida permanecera modesta e ao final tornara-se bastante austera. Do estabelecimento de lavoura que, em 1866, contava com mais de vinte escravos, provavelmente herdado de Joaquim José dos Santos Camargo, nada restara. As crises do café e o costume de ser fiador de dívidas de parentes levaram esses bens. Apenas restava-lhes a casa da rua Marechal Deodoro e sua extensão que dava para a rua Sacramento.

Apesar da estima aparentemente mútua entre o Dr. Ricardo e seu sogro, a herança do velho Joaquim não pôde ser aumentada ou bem conservada devido aos reveses econômicos e às disputas familiares. Por ocasião do falecimento do Dr. Ricardo, em 1893, apenas a casa de residência à antiga rua do Imperador, por então e até hoje renomeada Marechal Deodoro, mais quadros, livros e mobília, constituíam o patrimônio que foi dividido pelos sete filhos que lhe sobreviveram.

Anna Francelina de Camargo, passou quarenta anos de sua vida casada com o Dr. Ricardo, e embora fosse através de sua pessoa que este fora inserido na parentela dos Camargo, e que obtivera uma boa parte dos bens materiais que lhe passaram pelas mãos, pouco ou nada sabe-se dessa senhora. Nos casos de dívidas e execuções, D. Anna tivera seu nome ligado indissoluvelmente ao do marido, e em momento algum fora ouvida quer fosse nos tribunais ou em qualquer outra instância da sociedade civil.

Seu testamento foi realizado no leito, durante a agonia que prolongou-se durante alguns meses. Gravemente enferma, D. Anna Francelina preocupava-se com o bem-estar futuro de seu marido e com a salvação da própria alma. Assim, após vários legados simples em que beneficiava as Paróquias de Conceição e de Santa Cruz, a fim de que fossem rezadas as missas necessárias a bem da paz de sua alma, procurou dispor de sua terça da maneira como achava mais justo e adequado.

Cada legado às paróquias montava a um conto e cem mil réis; duzentos mil réis iam para sua neta Alfrida, filha de Torlogo O’Connor Paes de Camargo e Daunt, seu segundo filho; o remanescente da terça, em partes iguais, ia para seus filhos Fernando e Alice, e seria parte da casa de residência da família à rua do Imperador, número dez; (hoje rua Marechal Deodoro, 1117) deixa claro que esta casa era uma doação que seu pai lhe havia feito e que, portanto não entrara para a comunhão de bens do casal, mas institui seu marido como meeiro e deixa-lhe a metade do imóvel.

O Dr. Ricardo, por sua vez, faleceu em 7 de junho de 1893, aos 74 anos, apenas dois meses após a confecção de seu próprio testamento. A causa mortis dada pelo Dr. Domingos de Azevedo em seu atestado de óbito, foi “syncope”; ou seja uma síncope ou ataque qualquer de natureza desconhecida.

Seu testamento indica que, ao falecer, o Dr. Ricardo, encontrava-se em situação econômica quase análoga à de sua chegada ao país. A casa em que residia deveria passar diretamente aos herdeiros, uma vez que fora de sua falecida esposa, seus bens reduziam-se a quadros, livros, algumas ações da Companhia Mogyana, pouca prataria e móveis em geral, de onde foi tirada a legítima que coube a cada um de seus filhos vivos, que por então eram sete. Dois legados apenas no testamento, cento e oitenta mil réis destinados à celebração de sessenta missas, cinqüenta para as almas de todos aqueles que tinham sido seus escravos, e dez para sua própria alma; e um conto de réis para o “creoulo” Huberto, filho de Eva que fora sua escrava.

Há no testamento uma dívida confessa de oito contos e quinhentos mil réis, do Dr. Ricardo em relação a sua filha solteira D. Alice. O texto especifica que se trata de dívida e não de legado e justifica como pagamento pelos serviços prestados na administração da casa, desde a doença de sua mãe. D. Alice, que foi por ele designada para testamenteira, cumpriu escrupulosamente cada legado e saldou todas as dívidas; do montante remanescente, cada filho sobrevivente recebeu dois contos e quarenta e dois mil quinhentos e quarenta e nove réis, como legítima.

Morte súbita, o testamento indicava o desejo de um enterro simples. Mas não foi assim. Embora o documento fosse claro, a família despendeu a quantia de 1:678$800 (um conto e seiscentos e setenta e oito mil e oitocentos réis) com o serviço funerário, caixão, féretro, etc. Considerando a simplicidade de seu inventário, essa quantia chama a atenção. Talvez seus filhos estivessem cônscios da importância do velho médico para a cidade e de suas origens e não quisessem de modo algum que o despojamento ostentado em sua última vontade fosse traduzido a olhares contemporâneos como miséria ou indiferença.

Quando D. Pedro lI, em 1846, visitou a cidade, a rua em sua homenagem passou a ser a "Rua do Imperador", depois trocada pelo nome do proclamador da República, Marechal Deodoro. Do casario antigo do tempo em que era do Imperador, restam o prédio que tem, atualmente, o n° 1117, onde residiu o dr. Ricardo Gumbleton Daunt.

Partes do texto aqui reproduzidos foram retirados de tese de doutoramento da Profa. Dra. Anna Gicelle Garcia Alaniz, defendida na USP em 29/11/1999, intitulada "Dr. Ricardo Gumbleton Daunt: o homem, o médico e a cidade (Campinas, 1843-1893)". A qual faço uma homenagem ao reproduzir partes do texto.

Foto da casa atualmente, veja que a via ainda permanece com os paralelepípedos da mesma época em que Dr. Ricardo residia no local.

A placa afixada na parede com os dizeres abaixo.

“À memória illustre do Dr. Ricardo Gumbleton Daunt este preito consagra a gratidão de Campinas a 30 de agosto de 1918 commerando o primeiro centenário de natalício do philantropo e do cidadão.”

O vereador Orosimbo Maia, apresentou na sessão da Câmara Municipal de 9 de novembro de 1893 requerimento para “nomear uma rua, paralela à rua Barão de Parnaíba, e que se formara em virtude das recentes venda de terreno em frente à linha da Mogiana”. E assim esta via recebeu o nome de “Dr. Ricardo”.

Túmulo do Dr. Ricardo e esposa, no cemitério da Saudade em Campinas. O túmulo é o primeiro do lado esquerdo do espectador. As 3 fotos na seqüência mostram os detalhes do mesmo.




4 comentários:

Anônimo disse...

Ola,
Hoje em dia sou aluna do Culto à Ciencia, e tive a noticia de que voçê tambem fez parte da Escola, fico muito feliz em ter tido presente na alma do Colegio um grande Intelectual como voçê.
Está muito legal aqui,
Abraços...
Ate mais.

Anônimo disse...

Parabens pela pesquisa da familia Daut de Campinas, cheguei a este sito pesquisando por Joaquim Jose dos Santos do qual sou descendente(tetraneto) Abraço Paulo, arqpauloferreira@bol.com.br

eduardo disse...

O texto publicado não é original. É uma vergonha ver reproduzidos parágrafos inteiros literalmente, sem que se dê o devido crédito ao verdadeiro autor. A origem de 90% desse texto é a tese de doutoramento da Profa. Dra. Anna Gicelle Garcia Alaniz, defendida na USP em 29/11/1999, intitulada "Dr. Ricardo Gumbleton Daunt: o homem, o médico e a cidade (Campinas, 1843-1893)".
Em qualquer lugar civilizado, quando alguém cita a obra de um terceiro, deve no mínimo, inclusive em respeito à inteligência de seus leitores, citar devidamente a fonte consultada.
Sinceramente espero que o autor dê os devido créditos à verdadeira autora.

Eduardo Ramos Dezena
OAB/SP 107641

Adrian disse...

Sou decendente dele :P