3 de novembro de 2008

Curiosidades: Diário de Dom Pedro II quando da visita em Campinas



Retirado do diário de Dom Pedro II quando em visita à Campinas. Material cedido por Luiz Souza.

Veja que dados interessantes que contém este diário.


25 de agosto de 1875 — 5 ½ no quarto 68 fora 58º F.
Às 6 parto para Campinas.
Chegada às 7 ½ a Jundiaí.
Almoço.
Saída às 9 ¼.
Chegada a Campinas às 10 25’.
Caminho mais bonito.
Belo aspecto da estação pela vista e quantidade de gente e de carros.
Casa do Joaquim Bonifácio do Amaral excelentemente preparada.
Almoço.
11h 35’ (2) Casa que se constrói para Misericórdia por esforços sobretudo do padre Vieira de que se diz muitíssimo bem. Dizem que até alguém o assustou de noite mantendo-lhe dinheiro na mão.
Linda posição. Ficará talvez o segundo hospital do Brasil (1).
Colégio Culto à Ciência. Bem montado ouvi estudantes nas aulas de aritmética, física, alemão e latim. Um estudante pareceu-me distinto por seu caráter estudioso — quis traduzir Tito Lívio apesar de não ser o livro da classe — e passa pelo melhor.
O professor de Física Renschler pareceu-me confuso nas idéias.
O de latim é o filho de Hércules Florence.
Fábrica de chapéus — faz 300 por dia — de Bierrembach onde vi um maquinismo para começar o trabalho tão pesado à mão nos tachos de água fervendo. Muito bem montada. Pedi-lhes um chapéu que ele deu de pelo de raton do Rio Grande do Sul.
A fundição é ainda melhor. Tem um martinete automático como não vi no Rio e pretende misturando ferro da Europa e de Ipanema na fusão obter fundições cuja superfície seja endurecida por um resfriamento rápido em forma de ferro. Pode fazer locomotivas e todo o gênero de trabalhos, estudam a introdução do processo Bessemer. São 3 irmãos. O mais velho nascido em Pelotas e os outros em S. Paulo. O pai veio com as tropas estrangeiras no tempo de meu pai e a mãe viúva foi professora em S. Leopoldo.
Fábrica de Sampaio de tijolos por máquina Clayton que faz 4000 em 5 horas. Tem motor de vapor e de água. Fornos de cozer 80.000 e 30.000. Vi o que resta da antiga fundição. Comunicava-se o escritório com as oficinas por tubos acústicos onde se ouvia à distância de 300 palmos. Sampaio, genro do Três Rios parece-me muito inteligente.
Colégio internacional Morton. Muito bem montado.
Ouvi nas aulas de português professor Pestana, álgebra e história e latim o Morton, e grego Dabney, que em 6 meses já fala bem português.
Em álgebra pôs muito bem em uma incógnita de 1º grau a equação e resolveu-a a rapariga Newmann. Vi sobre um harmônium um livro de cantos publicado na imprensa evangélica do Rio.
Cemitério geral e do Sacramento. Nada de notável e não tem capela.
Passei pelos alicerces do novo lazareto de bexiguentos, para que há 20 contos de subscrição e fui ao atual muito melhor que os outros. É médico o Dr. Marinho filho do Dr. Marinho americano.
Depois do Culto à Ciência tinha ido ao gasômetro. Muito bem arrumado. 2 gasômetros.
Muito contribuem para esse trabalho assim como para o Lazareto o Tenente-Coronel Quirino dos Santos.
Oficinas da estrada de ferro Paulista. Melhores as da Ituana. Apenas fazem reparos.
Colégio de Mme. Florence. Tem três professoras Melles Schmid, Kasselman e Zoega, sueca. Ouvi meninas em alemão e francês. A filhinha do Hércules Florence respondeu bem em alemão. É espertíssima. Florence mostrou-me pinturas suas. O retrato por acabar do Carlos Gomes está horrível.
Colégio Perseverança do Cesarino e sua mulher pardos. Tem muitas meninas e é conceituado.
Matriz nova. Linda obra de talha sobretudo em altares ao lado do arco-cruzeiro. O altar-mor é obra de um Vitoriano da Bahia.
Casa da Câmara e da cadeia piores que as que tenho visto.
Perto de 6h jantar. Conversei durante ele com o botânico boticário Joaquim Correia de Melo sobrinho do Francisco Álvares Machado. Tem relações com Bureau, Hooker e outros. Descobriu novamente um gênero de bignônia.
É um velhinho muito inteligente, vivo e limpinho. Gostei muito dele. Prometi-lhe a remessa regular da Flora de Martius.
Depois recepção. Vieram os alemães cantar. Te Deum.
O pregador é sofrível e vigário da paróquia da Conceição desta cidade.
Entoou o Te Deum o Cônego Montenegro irmão do da Nova Lousã.
Procurou-me durante a recepção o Dr. Valentim da Silveira Lopes dizendo-me que o fazia pelo bem que eu tratara sua filha que recitou uma parte do Misântropo de Castilho e é professor de S. Cristóvão.
Enfim teatro que é sofrível. Assisti a 2 atos da zarzuela O Juramento.
Term. fora 60º — 1h 5’ do dia 26.

26 de agosto de 1875 — 6 ¾ 58º fora.
7 saída.
Visitamos a matriz nova.
Fazenda das 7 quedas. Vi as casas dos colonos. Parecem prosperar, sistema de parceria. Conversa longa com Joaquim Bonifácio do Amaral sobre a colônia. Ele sustenta acerrimamente esse sistema. As máquinas de Lidgerwood para o café estão muito bem montadas e são movidas pela água do ribeirão das 7 quedas.
Almoço.
12 ¼ saída para Nova-Colúmbia colônia de Montenegro associado a Barbosa.
O Cônego Montenegro acompanhou-me. Sistema de salário. Poucas famílias. Casas dadas. Só compram roupa para o que lhes dará o produto das roças. Até três meses tem pago as despesas de seu transporte e adiantamentos. Alguns tem voltado a Portugal com 2 e 3 contos. É a mesma organização da Nova-Lousã que tem mais trabalhadores e foi fundada há 8 ½ anos.
Volta à fazenda do Joaquim Bonifácio.
Lanche.
Volta para Campinas às 4h 10’. Que poeira!
Jantar.
Recepção de 6 às 7.
Veio a Baronesa de Campinas.
Os barões de Três Rios e de Atibaia preferem o sistema de aforamentos de terras aos colonos ao de parceria.
Esteve comigo Correia de Melo.
Trouxe-me Memórias de Bentham e Hooker sobre trabalhos deles. Disse-me que não pensa que o café amarelo do irmão em Botucatu seja degenerescência porque a baga é maior, porém ele mesmo falou de hipertrofia que aumentasse o volume da cereja.
Fui ao teatro. Cheio como ontem. Zarzuela do Campanone. Bonita música.
Chegou esta noite o Homem de Melo do Rio e trouxe-me carta do Bom-Retiro sobre o Monumento do Ipiranga.
Meia-noite — Ter. dentro 70º — fora 62º.

Dia 27 de agosto de 1875 — 6h —
70º dentro e fora pouco depois o mesmo. Saída para a estação.
Partida para o ramal de Rio Claro. Vai-se até Sta. Bárbara 38 km. 9 de interrupção por causa da ponte do Piracicaba.
Encontrei José Vergueiro e outros entre os quais o Dr. Luiz Correia de Azevedo, que é médico na fazenda do Vergueiro.
De volta à estação de Campinas às 10 ½.
11h 50. Benção da estrada depois de ter visto as plantas da estrada e sua continuação até o Mogi-guaçu indo a Piraçununga.
Meio-dia partida para Mogimirim.
Bela vista de Campinas que a estrada rodeia. Pontes do Jaguari e Camanducaia, porém na estação daquele nome tomei pelo ramal do Amparo até o lugar chamado Francisco Soares 8 a 9 km. Volta com 43’.
Segui para Mogimirim. Entre 57 e 58 km de Campinas vi e colhi pedras que parecem escória vulcânicas no sítio de Joaquim Antônio de Campos. João Tibiriçá tinha me indicado o lugar e disse-me que já reconhecera 3 ou 4 crateras.
4h Chegada a Mogi. Benção da estação e launch rápido.
Fui ver o lazareto dos bexiguentos.
A Câmara mandou tapar com paus fincados a parte da rua onde está a casa e entra-se por uma porteira. Quase todos os bexiguentos vão bem. A casa é a melhor que tenho visto destinada para esse fim. Admite até 60.
Escolas fechadas.
Igreja de S. Benedito fechada.
Cemitério bem situado e com muro. Vai-se fazer a capela, mas tem mato dentro.
Colégio acreditado de Mme. Masson.
O vigário que o é desde 1844, sobrinho de Monsenhor Ramalho não trabalha por causa das bexigas. Há medo imenso.
O Presidente da Câmara Tenente Coronel José Guedes de Souza em cuja casa muito bem arranjada estou, fica longe do lazareto até foi comigo de carro. Por causa deste cujos cavalos estão acostumados a trole fui, andei um a pé.
À espera da chave de S. Benedito que não vieram fui um pouco para o lado do caminho de Mato Grosso. Passei pela Igreja do Carmo a melhor mas em construção. Estava fechada e fui à Câmara. Boa casa.
A cadeia tem sala e enxovia. O carcereiro fugiu por causa das bexigas. Do destacamento de 20 praças tem morrido de bexigas um cabo e 2 soldados.
Fui para a casa do Guedes.
Jantar e depois de falar com quem queria fui às 8 ao Te Deum e voltando conversei com diversos.
Boa água e cuida-se de conduzi-la a chafariz na praça onde estão a matriz e casa do Guedes.
Há bonita iluminação nela e um coreto e um pavilhão com músicas. Este tem lugar com cadeiras onde se pode conversar à vontade.
10h 10’. Dentro 72º e fora 40. Tem feito calor.
Perto do sítio do Camargo vi grande fogo no campo. Talvez prejudicasse cafezais. Estes estão em geral crestados de frio.
A terra na maior parte da linha é da roxa que dizem ser a melhor para café e pareceu-me decomposição das escórias vulcânicas.
Amanhã às 5h da manhã parto para Campinas e S. Paulo.

28 de agosto de 1875 — 4 ½ da manhã —
Dentro 77º na janela. Há um muro defronte. 76º.
5h Partida.
Chegada a Campinas às 7h 20’.
Almoço e às 8 partida para S. Paulo.
Chegada às 11h e 10’.
Visitei as oficinas da estrada de ferro inglesa e a capelinha dos ingleses da estrada, com seu harmônium que tocou um dos trabalhadores.
Segui para casa e daí fui à fotografia de Gaspar e Carneiro. Tirei meu retrato 2 vezes. Creio que não saiu bom.
Antes fui ver na enfermaria um soldado que dando salvas pelou a mão direita por causa da camada que introduziu sem havê-la molhado.
Ouvi no Curso Jurídico os professores Francisco Aurélio de matemáticas, Galvão Bueno de filosofia. Muito distinto segue a doutrina de Krause. É filho de quem me hospedou em 1846 no Ponto Alto.
Pinto de Mendonça de história. Leciona muito bem. Vale, de retórica, idem.
Às 1 ¾ chegada à estação da estrada de ferro do norte. [Ilegível] fui até Itaquera, distância de 28 km. Houve aí lanche e às 3 ½ volta. [Ilegível] os que me obsequiaram nas estradas de ferro e Costa Pinto e mulher para o jantar.
Das 6 às 8 recepção.
Fui à conferência do Dr. Barata sobre a vacina no teatro Provisório. Medíocre e divagou bastante.
Associação propagadora da instrução popular. Mais de 400 alunos. Interroguei alguns da aula primária. Responderam bem. Alemão e outras matérias. Mendes Paiva fez boa preleção sobre a fundação dos Jesuítas em S. Paulo e antiga cidade.
Vim para casa às 10h 40. A água de Campinas é muito calcária. A de S. Paulo não me satisfez a sede.
Depois das 8 da noite. Term. fora 56º.
São 11 ½. Vou dormir.
Chuviscou ontem em Moji-Mirim. Esta noite choveu bem em São Paulo. Venta agora.

Um comentário:

Wilson Ghosver disse...

Que pessoa impar! Quando se refere a Dr Barata, não seria esse o Barata Ribeiro, que era contra as vacinas, além se ser o pai das favelas?